7 de junho de 2023

Existe café geneticamente modificado?

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O café é uma das maiores culturas comerciais do mundo, cuja produção envolve 125 milhões de pessoas pelas regiões produtoras ao redor do mundo. Segundo a OIC, cerca de 167 milhões de sacas de 60 kg de café verde serão produzidas na safra 2022/23.

Hoje, existem cerca de 120 espécies identificadas de café. E isso significa que há um número quase infinito de variedades disponíveis, incluindo aí as selvagens e as híbridas. Estas últimas foram desenvolvidas por pesquisadores e agrônomos para melhorar o  rendimento  e a qualidade e estão se tornando cada vez mais comuns.

E embora essas variedades híbridas não sejam tecnicamente modificadas geneticamente, sua existência ainda leva a uma questão pertinente: o café pode ser geneticamente modificado? Em caso afirmativo, quais são as vantagens?

Para descobrir, conversei com o CEO da RD2 Vision, Dr. Christophe Montagnon, e com o chefe de divisão do Coffee Board do Instituto Central de Pesquisa de Café da Índia, Dr. Manoj Kumar Mishra. Leia mais para obter mais informações sobre o café transgênico.

Você também pode gostar do nosso artigo sobre a introdução de híbridos de café resistentes ao clima no Vietnã.

Grãos de soja transgênicos

Como funciona a modificação genética?

Durante séculos, os seres humanos fizeram seletivamente a reprodução de plantas e animais, a fim de produzir rendimentos mais elevados e criar animais mais resistentes e mais fortes. Esta técnica envolve a escolha de plantas ou animais que tenham características desejáveis. Para o café, isso pode incluir melhor resistência a pragas e doenças, bem como características mais resistentes ao clima.

Ao cruzar duas matrizes com características desejáveis, é provável que o seu produto as herde. Por sua vez, isso altera as características da planta ou do animal ao longo do tempo para serem mais adequadas para cultivo e reprodução para consumo humano.

A modificação genética, no entanto, envolve a alteração do material genético de uma planta ou animal (ou DNA) de uma forma que não ocorreria naturalmente. Essencialmente, isso significa que a modificação genética só pode ocorrer em um ambiente controlado, como um laboratório.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, os únicos organismos geneticamente modificados, também chamados de transgênicos, disponíveis foram todos desenvolvidos a partir de plantas. Os transgênicos mais comumente cultivados são plantas de milho, soja, algodão e canola, com base em informações da Food and Drug Administration dos EUA.

Há uma série de benefícios para o cultivo de transgênicos, entre eles destacam-se o rendimento e a resistência a pragas e doenças. Agricultores apontam ainda a menor necessidade de uso de insumos como fertilizantes para seu cultivo.

No entanto, existem também vários riscos associados ao cultivo e produção de culturas transgênicas. Indiscutivelmente, a maior preocupação é a redução na diversidade genética que pode trazer problemas como maior suscetibilidade a determinadas doenças.

“Os riscos exatos associados à produção e consumo de culturas transgênicas ainda não são totalmente conhecidos”, diz Manoj. Em última análise, mais pesquisas científicas são necessárias para entender completamente os benefícios e riscos dos transgênicos.

viveiro de mudas de café

É possível cultivar café geneticamente modificado?

Embora algumas culturas sejam geneticamente modificadas, é possível fazer o mesmo com o café?

Conforme a National Coffee Association, atualmente não há café geneticamente modificado comercialmente disponível. No entanto, a NCA também enfatiza que aditivos usados em produtos à base de café podem ser classificados como transgênicos. Especialmente se entre os ingredientes houver derivados de milho ou soja.

Embora não haja nenhum café geneticamente modificado disponível no mercado, Christophe me diz que, em 2005, ele gerenciou um projeto organizado pelo instituto francês de pesquisa agrícola CIRAD. O projeto foi desenvolvido para cultivar robusta geneticamente modificada na Guiana Francesa.

“Em nossa pesquisa, estudamos a resistência do robusta ao bicho-mineiro”, diz Christophe. De acordo com as pesquisas, 70% das plantas de café geneticamente modificadas resistiram totalmente à praga – uma mariposa que põe ovos nas folhas do cafeeiro.

Embora o estudo tenha produzido resultados promissores, as plantas robustas transgênicas não chegaram a ser disponibilizadas aos cafeicultores locais.  “Nossas descobertas não foram para uso comercial”, explica Christophe.

lavoura de café

E quanto às variedades híbridas?

É importante para nós distinguirmos entre transgênicos e variedades híbridas de café. Embora essas últimas sejam criadas pela intervenção humana, seu desenvolvimento envolve o uso técnicas naturais, como Christophe explica.

“A polinização manual pode ser realizada por seres humanos, mas também pode ocorrer naturalmente através do acasalamento ou recombinação natural”, diz ele.

Variedades híbridas são frequentemente criadas para combinar diferentes características desejáveis na mesma planta, como alto rendimento e qualidade da xícara. Um exemplo são as variedades híbridas F1 (ou primeira geração).

Segundo a World Coffee Research, o primeiro híbrido F1 a ser propagado por sementes foi o Starmaya. Essa é uma variedade de arábica de alto rendimento que também é bastante resistente à ferrugem.

Através da propagação de sementes, em oposição ao uso de biotecnologias como a clonagem de tecidos, os agrônomos conseguiram cultivar Starmaya muito mais eficientemente. No entanto, o processo de desenvolvimento de qualquer tipo de variedade híbrida é demorado e pode ser caro também.

Outras pesquisas

Com variedades híbridas, Manoj diz que também há muitas pesquisas em andamento sobre o sequenciamento do genoma para plantas arábicas e robusta.

“Através do sequenciamento do genoma, podemos entender os traços agronômicos das espécies, como qualidade e tolerância a pragas, doenças e condições climáticas”, diz ele.

“Esta pesquisa também irá essencialmente acelerar outros estudos nos próximos anos, como os dados estão mais prontamente disponíveis. Isso significa que características mais desejáveis de certas variedades poderiam ser mais facilmente introduzidas em outras por meio de métodos convencionais ou tecnologia de edição de genes moleculares”, acrescenta.

Além disso, pesquisas genéticas adicionais sobre algumas espécies de café selvagem, como Coffea racemosa e Coffee zanguebariae, podem fornecer aos agrônomos mais informações sobre como o cafeeiro pode naturalmente se tornar mais resistente ao clima ao longo do tempo.

No entanto, uma pesquisa do Royal Botanic Gardens, no Reino Unido, descobriu que, embora essas espécies tenham algumas características desejáveis, os rendimentos são geralmente muito baixos. Em última análise, mais pesquisas são necessárias neste momento.

cafeeiro carregado de cerejas

Os desafios associados aos transgênicos

Não há como negar que há benefícios no cultivo de plantas geneticamente modificadas. Principalmente para pequenos produtores que podem estar lutando com os efeitos das mudanças climáticas.

No entanto, há também uma série de desafios relacionados ao desenvolvimento do café transgênico, como explica Manoj. “A tecnologia usada é complexa. O processo consiste em etapas críticas que precisam ser otimizadas para que possamos entender mais sobre a expressão e integração dos genes de um café.”

“Além disso, há poucos habilitados para desenvolver café geneticamente modificado”, acrescenta. Outras barreiras incluem regulamentações governamentais da produção de transgênicos, bem como a percepção pública negativa sobre os transgênicos.

Embora algumas organizações e instituições científicas afirmem que os alimentos transgênicos são seguros para consumo, outras pesquisas indicam que eles podem ser prejudiciais ao meio ambiente e à saúde humana. 

Por exemplo, nos alimentos geneticamente modificados de 2013: segurança, riscos e preocupações do público- um artigo de pesquisa de revisão, descobriu-se que o consumo de alimentos transgênicos poderia aumentar as chances de uma reação alérgica.

Frutos verdes de café -- existe café geneticamente modificado?

É evidente que estamos muito longe de cultivar café geneticamente modificado, particularmente para fins comerciais. No entanto, é algo que poderíamos ver no futuro – especialmente à medida que as mudanças climáticas se tornam mais uma ameaça à produção sustentável de café.

Mas se os consumidores estariam abertos a beber café transgênico é outra questão. Em última análise, considerando que ainda é mais um conceito do que algo prático, a única coisa que sabemos por enquanto é que mais pesquisas são necessárias.

Gostou? Em seguida, leia nosso artigo sobre como o enxerto de porta-enxerto pode tornar as plantas de café mais resilientes.

PDG Brasil

Traduzido por Daniela Melfi

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